Tema: A Criança Que Eu Era Se Orgulharia do Adulto Em Que Me
Tornei?
Meu nome é Luciana do Rocio Mallon, tenho 45 anos, sou
repentista, bailarina folclórica, pesquisadora de causos, escrevi os livros
Lendas Curitibanas 1 e Lendas Curitbanas 2. Aceitei este desafio entre
blogueiros de escrever um texto sobre o mesmo assunto. O tema escolhido foi:
“A criança que eu era se orgulharia do adulto em que me torne?”
Em 1979, quando eu tinha cinco anos, gostava de rimar
palavras e amava assistir aos balés na TV. Por isto sonhava em ser bailarina.
Porém minha família não tinha dinheiro para pagar aulas de Dança naquela época.
Mesmo assim, eu ligava o rádio e bailava.
Em 1980, aos seis anos de idade, entrei na pré-escola e
comecei a ser alfabetizada. Tanto a família quanto as professoras diziam:
- Só sobrevive neste mundo quem tem estudo.
- Se você quiser ser alguém na vida, precisa estudar
bastante.
- Se você estudar, terá um emprego bom.
Assim, na escola, a professora costumava contar a Fábula da
Cigarra e da Formiga, onde a formiga que trabalhava duro se deu bem e a cigarra
que só cantava passou necessidades.
Outro conto infantil que a professora costumava contar era a
Fábula do Coelho e da Tartaruga, onde os dois bichos apostavam uma corrida. Mas
o coelho, certo da sua vitória, resolveu dormir na floresta. Enquanto a
tartaruga, mesmo devagar, não desistiu da competição. No final o coelho dormiu
demais e a tartaruga venceu a corrida.
A partir deste conto, comecei a pensar:
- Nossa!
- Se eu estudar, serei uma pessoa bem sucedida.
Assim eu passei a observar, nas novelas, as personagens que
eram empresárias e executivas. Então um pensamento não quis deixar a minha
cabeça:
- Vou me matar de estudar porque quero ser executiva.
O problema é que eu tinha muita dificuldade em Matemática.
Por isto, mesmo criança, passava as madrugadas estudando.
O tempo passou, entrei no segundo grau e minha família me
aconselhou a fazer o curso de Magistério. Nunca achei que tivesse vocação para
dar aulas. Mesmo contrariada, acatei o conselho para evitar confusões com os
parentes mais próximos.
O problema é que, na mesma época, engordei rápido demais e
passei a ter traços masculinizados. Desta maneira passei a sofrer bullying no
colégio. Alguns colegas cantavam aquela musiquinha para mim:
- Maria Sapatão, sapatão, sapatão...
No dia do amigo secreto ganhei uma cueca com a palavra
“sapatão” escrita em esmalte. Eu só via os estudantes rindo de mim. Este foi o
pior dia da minha vida.
O tempo passou, chegou a vez do vestibular e minha família
sugeriu que eu fizesse Letras. No fundo, eu queria fazer algum curso voltado ao
comércio. Mas para evitar brigas acatei a sugestão novamente.
Depois da faculdade, resolvi trabalhar como vendedora no
comércio, que era a função para a qual eu tinha a real vocação.
Para animar as clientes, eu sempre fazia meus repentes
poéticos e assim conseguia freguesas fixas.
Como sempre fui pesquisadora de causos misteriosos, eu
aproveitava as conversas, com estas clientes, para perguntar:
- A senhora conhece alguma lenda urbana?
- No seu bairro existe alguma estória misteriosa?
Elas contavam e eu anotava tudo.
Ainda na juventude precisei fazer curso de Informática Básica
porque o mercado de trabalho exigiu. Nas aulas a professora descobriu que eu
gostava de escrever e sugeriu para que eu fizesse um blog. Então, na época, consegui
um espaço gratuito no site Usina de Letras para meus textos.
Até que vieram as redes sociais e passei a postar meus textos
nelas. Desta maneira, o jornalista Hélio Puglielli, falou que a editora,
Instituto Memória, de Anthony Leahy, publicava livros de graça. Assim ele
sugeriu para que eu mandasse minhas lendas para este editor. Desta maneira,
acatei a sugestão. Em 2013 nasceu o livro Lendas Curitibanas 1.
Neste mesmo período, consultei uma fisioterapeuta porque
notei que eu tinha problemas motores que me atrapalhavam na atividade de
vendedora, profissão que tanto amava. A fisioterapeuta recomendou fazer aulas
de Dança Cigana ou Flamenca. Deste jeito, me matriculei em uma academia de Dança
e senti resultados maravilhosos.
Porém durante este processo sofri de Depressão e Ansiedade.
Desta maneira procurei uma psicóloga holística que aceitou me tratar
gratuitamente. Eu contei sobre as minhas dificuldades em Matemática na escola,
o bullying que sofri no colégio e o sonho em ser executiva que não consegui
realizar na vida adulta.
Assim logo na segunda sessão, a terapeuta disse:
- Vamos usar uma técnica que foi batizada por alguns místicos
de:
- A criança que eu era, teria orgulho do que me tornei?
- Agora, feche os olhos, relaxe e vá até os seus sete anos de
idade. A professora está passando no quadro um problema de Matemática que você
acha difícil.
- O que você sente?
- Quais são suas dificuldades?
Eu respondi com os olhos fechados:
- O problema é que a professora fantasia muito no enunciado.
Ela coloca nomes diferentes nos personagens e as situações em que eles se
encontram são bonitas, parecem conto-de-fada, mas estão longe da realidade. Sem
falar que a professora explica rápido demais. Todo este conjunto torna a minha
aprendizagem difícil.
Assim a terapeuta disse:
- Agora, você é uma menina de sete anos. Por isto, levante da
carteira, chegue para a professora e diga:
“– Por favor, explique mais devagar.
- Tenha paciência e não fantasie tanto. Por favor, use
problemas de acordo com a minha realidade. Em vez de falar em castelos, cite
compras no mercado porque assim terei mais facilidade de aprender.
- Mesmo assim, professora, eu perdoo você!”
Desta maneira tentei repetir as palavras que a psicóloga
sugeriu imaginando minha aparência de quando eu tinha sete anos.
Em outra sessão, a terapeuta resolveu trabalhar a questão do
bullying, que sofri na adolescência. Assim ela me fez deitar no sofá, fechar os
olhos e falou:
- Agora, você voltará aos quinze anos de idade na mesma sala
de aula em que você sofreu bullying. Imagine você, com forma de adolescente,
indo para frente da sala e falando assim para os colegas:
“ – Eu nunca quis fazer mal para ninguém. Pois eu só queria
amizade. Por isto eu não merecia ser agredida. Mas, mesmo assim, eu perdoo
vocês.”
Então eu repeti as palavras que a psicóloga sugeriu me
imaginando com a idade para a qual ela me transportou.
Assim foram várias sessões onde eu me imaginava criança ou
adolescente.
No final, a terapeuta disse:
- Você me disse que quando tinha cinco anos de idade sonhava
em ser bailarina, mas sua família não tinha dinheiro para pagar as aulas. Mas
que agora na idade adulta faz aulas de Dança e até se apresenta em alguns
lugares.
Desta forma eu interrompi:
- Mas aos sete anos, eu queria ser executiva porque me
falaram que as pessoas que se matavam de estudar tinham futuro brilhante. Porém
eu me matei de estudar e não fui bem sucedida na vida. Enquanto minhas colegas
que só queriam saber de baladas e de namoro, hoje, estão numa condição
econômica melhor.
A terapeuta explicou:
- Isto aconteceu porque adultos exerceram uma influencia
muito pesada na sua segunda infância. Porém, a principal essência do ser humano
fica guardada na primeira infância. Portanto a sua verdadeira raiz está naquela
menina de cinco anos, que gostava de rimar palavras e sonhava em ser bailarina.
Agora, imagine você adulta numa apresentação de Dança. Depois
surge a sua pessoa, com cinco anos de idade, vendo a sua apresentação de balé.
Neste mesmo instante duvido que a criança de cinco anos não se orgulhe da
adulta que você se tornou agora.
Estas foram as palavras da terapeuta. Hoje quando fico
triste, tento conversar com a minha criança interior. Assim peço desculpas
pelas minhas falhas e tento sorrir, com ela, para comemorar tudo o que alcancei
até aqui.
Dias atrás, antes de eu aceitar o desafio de escrever sobre
este tema, notei que colocaram um envelope dentro da caixa de correio da minha
casa. Quando abri vi, pela capa, que era um DVD do filme, “Crossroads – Amigas
Para Sempre”, que eu ainda não conhecia. Assim coloquei a película no aparelho.
Logo notei, por coincidência, que o enredo falava sobre sonhos de infância.
Pois o filme trata de três meninas que escrevem seus sonhos, para a vida adulta
dentro de uma caixa, e enterram o objeto no jardim. Assim elas combinam de
desenterrar na noite de formatura. O interessante é que cada uma tem um sonho
diferente: uma deseja casamento, outra sonha em ser bem sucedida na profissão e
há uma que quer reencontrar a mãe biológica. Os anos se passam, as crianças
crescem e cada uma tem um destino diferente. Assim elas voltam a se reencontrar
e desenterram as caixas com os planos para a vida adulta. Porém as moças notam
que seus desejos não se tornaram realidade como elas planejaram. Pois a jovem
que sonhava com um casamento foi traída pelo noivo, a donzela que desejava
dinheiro conseguiu uma vida humilde e a moça que gostaria de encontrar a mãe
biológica se decepcionou com os adultos. Porém, no final, elas acabam montando
uma banda de Rock, que não estavam nos planos destas jovens.
O filme passa a mensagem que nem sempre as coisas que
sonhamos na infância são destinadas para nós. Mas, mesmo assim, a vida tem o
poder de surpreender o ser humano.
As professoras, em sala de aula, deveriam estimular todo o
pequeno aluno com este exercício: escrever os sonhos para a idade adulta no
papel, colocar numa caixa e enterrar no jardim para reabrir somente na noite de
formatura. Assim seria possível refletir com esta pergunta:
- A Criança Que Eu Era Se Orgulharia do Adulto Em Que Me
Tornei?
Por falar em filmes, este roteiro que comentei acima me fez
lembrar de duas obras que me marcaram com temas semelhantes: “Quero Ser Grande”
e “De Repente Trinta”.
Em “Quero Ser Grande”, o personagem de Tom Hancks deseja ser
adulto e tem seu pedido atendido. Então se transforma num operário de uma
fábrica de brinquedos. O clímax deste filme foi quando Tom, ainda adulto, toca
um piano gigante, com os pés, com outro rapaz num shopping. Anos atrás, teve um
evento em Curitiba com um piano semelhante ao desta história. Assim toquei o
piano gigante com os pés e a criança que existe, dentro de mim, ficou contente.
Em “De Repente 30” uma menina estudiosa se tranca no armário
após sofrer bullying e dentro deste guarda-roupa deseja ter trinta anos. No dia
seguinte o sonho dela se realiza. Ela se torna jornalista de uma revista
feminina. Porém sua personalidade transforma-se em egoísta e competitiva. Assim
ela não sente orgulho nenhum de sua vida adulta.
Espero que após o meu texto, que os leitores também façam a
seguinte reflexão:
A Criança Que Eu Era Se Orgulharia do Adulto Em Que Me Tornei?
Luciana do Rocio Mallon
Confira também os textos dos outros participantes:
- O meu eu do passado se orgulharia de mim hoje? (Reflexão) - Relatos de um Garoto de Outro planeta
- A criança que eu era se orgulharia do adulto que me tornei? - Mundo da Nak
- Orgulho do adulto que sou - 7Smiles
- A criança que eu era se orgulharia do adulto que sou? - Lendas e Poesias
- 28 anos depois: a pequena Thayama estaria orgulhosa de onde chegou? - Thayama Matos
- Meu antigo eu teria orgulho de mim? - Mãe ao cubo
- A criança que eu era se orgulharia do adulto que me tornei? - O instável Mundo da Juh
- De volta ao meu antigo eu - Minha Vida em Quatro Atos
- Seria o nerd de hoje o adulto que se recusou a crescer - Minha Vida Geek
- A criança que eu era se orgulharia do adulto que me tornei? - Escritas Domésticas
- Projeto dear old me - Not to Disappear
- 28 anos depois - Reflexões Escritas
Essa blogagem coletiva foi organizada por meio da BlogaWeb - A rede social dos blogueiros e blogueiras.
Oi, Lu! Parabéns pelo texto!
ResponderExcluirÉ interessante ver como você percorreu diversos caminhos, mas no final você se reencontrou com aquela criança que sonhava em dançar e escrever.
Eu já assisti esses flmes que você mencionou, passavam na sessão da tarde. Crossroads tem uma música tema chamada "I'm not a girl, not yet a woman" que fala muito sobre crescer. Bem legal!
Parabéns de novo!
______
🌐 Relatos de um Garoto de Outro Planeta
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Parabéns pelo texto e por ter chegado aonde chegou. Vc passou por dificuldades mais conseguiu.
ResponderExcluirAbs
Oi Lu!
ResponderExcluirGente, que história! E é como dizem, o que tem que ser, será! A escrita e a dança tinham que estar com você e, apesar de tudo, acharam um caminho de volta. A Lu criança ficaria muito orgulhosa :)
E poxa, eu super pensei nesses dois filmes enquanto eu escrevia esse texto! Porque são dois casos em que os personagens estão no corpo dos seus "eus" adultos, mas ainda pensam como crianças. E a obviedade de algumas questões mostram pra gente como complicamos demais as coisas.
Um beijo!
www.oinstavelmundodajuh.com.br
Belo texto e feliz pelo que se tornou. Desejo tudo de bom e continue em busca de seus sonhos.
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