domingo, 11 de março de 2018

A Noite Em Que Entrei, Ás Escondidas, no Concurso Glamour Girl


A Noite Em Que Entrei, Ás Escondidas, no Concurso Glamour Girl
Desde criança sempre achei que os concursos de belezas eram competições artificiais. Pois tinham ilusões e não avaliavam as qualidades interiores das pessoas.
Ainda na infância, nos anos 80, descobri que em Curitiba havia um concurso de beleza bizarro chamado Glamour Girl, onde as moças usavam cortes selvagens, estilo a pantera Sara Fawcet, com permanentes e laquês. Sem falar dos vestidos de paetês que transformavam as jovens em verdadeiras árvores de Natal de shoppings. Logo pensei:
- Um dia, ainda participarei de um concurso destes, só para pegar o microfone e falar tudo o que penso de um evento assim.
Porém descobri que meu sonho era praticamente impossível. Pois as participantes pertenciam à classe alta da cidade e os convites eram caros.
Os anos 90 chegaram e o concurso bizarro continuou. Porém um dia precisei posar na casa da minha avó e notei que o Glamour Girl, daquele ano, seria realizado num clube perto do bairro dela. Assim esperei ela dormir, peguei um vestido de paetês, botei laquê no meu cabelo que era naturalmente crespo e fiz maquiagem de vilã de novela mexicana. Por cima, da roupa extravagante, coloquei uma capa comprida e fui a pé até o local. Mas para entrar precisava de convite e eu não tinha grana para comprar o bilhete. Deste jeito, decidi penetrar pelos fundos e menti ao vigilante:
- Eu sou a repentista contratada para animar o evento.
- Diga uma palavra que eu faço um poema com o tema que você escolheu.
Desta maneira o guarda respondeu:
- Paz.
Naquele mesmo instante eu disse:
“- Eu virarei a verdadeira paz
Se você me deixar entrar      
Neste clube da cor lilás
Para que eu possa me apresentar.”
Após este verso, o guarda me deixou entrar.
Do camarim observei algumas candidatas desfilarem até o apresentador exclamar:
- Agora, teremos um intervalo!
Como um raio, entrei no palco, peguei o microfone e falei:
- Boa noite!
- Sou repentista!
- Diga uma palavra que eu faço um poema com o tema sugerido.
Uma mulher gritou do fundo:
- Beleza!
Eu fiz o verso:
“- Dizem que a beleza
Não enche a mesa
A bela física é apenas uma armadura
Pois, o que vale é uma alma com ternura.”
Logo, perguntei:
- Mais alguma sugestão?
Um senhor falou:
- Concurso.
Deste jeito declamei:
“- Beleza interior não se mede em concurso
O que vale é um caloroso abraço de urso
Quem desfila hoje como uma delicada borboleta
No futuro poderá virar um maracujá de gaveta.”
Rapidamente indaguei:
- Mais alguma palavra?
Uma senhora gritou:
- Cabelo!
Eu disse:
“- O cabelo é a moldura do rosto
Que deve ter um penteado de bom gosto
Mas no desfile só tem laquê e permanente
De ser livre e solto, o cabelo fica carente.”
Recebi muitas palmas. Mas, de repente, um senhor careca e muito calmo, falou com educação:
- Parabéns, menina.
- Mas acho que seu show não estava na agenda.
- Apesar da sua invasão, gostaria de abrir o espaço da minha coluna, do jornal, para alguns poemas seus. Porém, agora peço a gentileza de deixar o palco porque o evento precisa seguir normalmente.
Agradeci a aquele senhor com a cabeça e notei que os seguranças estavam me olhando torto. Por isto, fui direto à porta de saída e nunca mais me esqueci daquela noite.
Naquela passarela, eu não fui Cinderella porque me senti muito mais que isto. Pois fui “Poetella”, sem sapato de cristal e sem príncipe encantado. Porém com uma magia de realizar sonhos através de versos.
Luciana do Rocio Mallon






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