Experiência Com Poesia No Hospital
Psiquiátrico
Meu nome é Luciana do Rocio Mallon,
sou escritora e sempre me interessei por assuntos ligados à saúde mental.
Em meados dos anos 90 eu precisava
fazer um trabalho para o curso de Letras da UFPR, que deveria envolver
Literatura e saúde mental.
Então escolhi o tema: A Importância da
Poesia Em Pacientes Psiquiátricos. Pois eu gostava do trabalho da psiquiatra,
Nise da Silveira, que usava a Arte como ferramenta para tratar pacientes com
transtornos psicológicos.
Para realizar a pesquisa de campo fui
até a um hospital psiquiátrico e escolhi pacientes mulheres, dentre elas duas
se destacaram nas minhas pesquisas.
Assim apelidei uma de Rosa e a outra
de Sereia.
Esses apelidos também servem para
preservar a privacidade delas.
Relatei os fatos mais interessantes
com cada uma abaixo:
1 – Rosa:
Apelidei a primeira paciente, que tive
contato, de Rosa porque ela gostava de flores.
Na sua ficha estava escrito que ela
sofria de Esquizofrenia e teve o comportamento piorado depois de ser vítima de
um estupro coletivo nos anos 70.
Seu passatempo era cuidar das flores
do jardim do sanatório.
Até hoje lembro desse trecho de uma
conversa, quando perguntei:
“- Por que você gosta de cuidar de
flores?
Ela respondeu:
- As flores conversam comigo. Além
disso, elas são as pontes que me levam para conversar com um único homem que
não é mau: o fundador desse sanatório. Aliás, ele está enterrado debaixo das
roseiras e o espírito dele sai, pelas madrugadas, para conversar comigo.”
Assim, achei essa história fantástica
porque pesquiso lendas urbanas desde criança.
Após a conversa, pesquisei sobre esse
hospital na Biblioteca Pública e descobri que, há cem anos, o fundador
realmente foi enterrado no jardim do local, fato que era normal para a época.
Com a paciente, Rosa, trabalhei poemas
com flores e ela escreveu:
“ Violetas não são apenas violetas
porque podem ser azuis, roxas e brancas
Rosas não são apenas rosas porque
podem ser vermelhas, carmins, beges e amarelas
Seres humanos são humanos e podem ser
de todas as cores.”
Realmente, esse poema foi fantástico.
Pois de alguma maneira fala de igualdade étnica e racial.
2 – Sereia:
Apelidei a segunda paciente com a qual
tive contato de Sereia porque ela cantava e compunha muito bem.
Em sua ficha estava escrito que ela
parou no sanatório porque teve problemas com dependência química e sofria de
Transtorno Bipolar. Além disso, ela tinha uma deficiência na perna que fazia a
moça mancar.
Lembro de uma conversa especial que
tive com ela:
“- Quando você descobriu que tinha o
dom para a Música?
Ela respondeu:
- Eu sofria bullying desde o jardim da
infância por ser gordinha, ter os dentes grandes e possuir deficiência em uma
das pernas. Então um dia a minha prima, que morava na mesma casa, deixou o
piano aberto. Dessa maneira me sentei no banquinho e notei que cada nota tinha
um som diferente. Assim como eu ouvia muito rádio, tentei juntar as notas que
tinham os mesmos sons das músicas e acabei tirando as canções de ouvido ao
piano. Na adolescência, meu padrasto abusou de mim e por isso fugi de casa. Como
ninguém quis dar emprego para mim porque eu tenho deficiência, fui morar nas
ruas, onde acabei abusando de drogas e álcool.”
Porém um dia ela pegou o violão e me mostrou
uma composição que fez com a seguinte letra:
“ No quarto escuro e fechado não sou
prisioneira
Porque ele me protege
Lá fora a liberdade é ilusória
Porque cortam asas da mulher
Homens dizem que mulheres são anjos
Mas cortam suas asas
Homens dizem que mulheres são pássaros
Mas cortam suas asas
Elas mesmas fogem para gaiolas
Para fugirem dos homens.”
A letra dessa música é pura Poesia
feminista.
Hoje esse hospital psiquiátrico não
existe mais. Pois foi demolido.
Porém essa experiência me fez refletir
sobre a saúde mental das mulher principalmente da mulher que sofre abusos.
A Arte é uma excelente ferramenta para
amenizar as dores da alma. Porém uma sociedade justa ainda é a melhor solução.
Luciana do Rocio Mallon
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